sexta-feira, 30 de novembro de 2007

O abraço, de Egon Schiele


Die Umarmung, 1917
Óleo sobre tela, 100 x 170,2 cm
Viena, Österreichische Galerie, Belvedere

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Antonioni


(29/09/1912 - 30/07/2007)

Apenas uma tardia homenagem póstuma...

Porque eclipses são passageiros.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

(sem título depois da briga)

Tristeza é o dia cinza,
tristeza é voz embargada;
o choro triste no seu silêncio
me maltrata, me maltrata.

Uma pétala de lágrima
ou sorriso inesquecível
são melhores que essa dor,
são razão, foco e destino.

Maltrate-me com carinho,
me diga o que é possível,
mas me liberte da dor,
do silêncio que eu sinto.

Devolva o pouco do ar,
devolva o que me falta,
Odeio essa quietude.
Desfaça o que não volta.

E se não há atitude,
não há meios, não há nada,
ao menos como consolo,
me abraça, me abraça!

3/9/07

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

O velho............bum.

O velho tinha me falado para ocupar minha cabeça com qualquer coisa. Se tivesse a ver com a ação, pior. Mas era inevitável, dizia ele. O segredo era transformar esse pensamento em algo além, divagar mesmo, quase descontextualizar a idéia levando-a para longe do conceito original. Penso isso depois do processo mental ter se encerrado. Como a funcionalidade do procedimento do velho nada mais é que um ciclo de perda de tempo. Tempo que deve ser passado o mais rapidamente possível, pelo menos em minha cabeça. Sem questionamentos, sem pensamentos profundos ou indagações de última hora. Nem sequer uma busca de auto-afirmação que me relembre os motivos que me levaram a fazer isso. Nada que possa me fazer reconsiderar. Talvez o fato de eu estar pensando isso seja uma falha no processo mental que o velho me passou. Ou talvez esse questionamento tolo seja totalmente irrelevante e apenas mais uma divagação para passar o tempo e completar mais um inútil ciclo. É estranho como se pensa falando para alguém, como se meu corpo e meu cérebro ou alma fossem coisas diferentes. Isso deve ter a ver com cinema. Seria literatura, se eu tivesse lido mais. Mas minha referência é mesmo o cinema. Que é exatamente o assunto da divagação que se encerrou agora e que recomeça o ciclo. Mas será a mesma divagação? A anterior, que eu me lembre, era sobre...

(Cinema, morte, monumento, bomba, Pato Donald, McDonald’s, barcos gregos, Perseu...)

Ah, sobre a questão épica da minha vida, que explicava onde me encontro e coisa e tal, e por que eu nunca consegui pensar “menor”... Quase faço o sinal de aspas com as mãos na rua, ao pensar em “menor”... (Não devo parecer louco de maneira alguma, não aqui) Bem, de qualquer jeito a divagação anterior se encerrou numa ironia e é isso o que importa. Tudo bem que me sinto obrigado a outra vez esmiuçar tal ironia para que ela não me fuja no momento em que apenas vislumbrei-a. Nada como outro ciclo de perda de tempo. A ironia é que essa minha “epiques”, “epicidade”, essa minha característica épica, me aproxima do cinema americano. Nunca consegui entender como um filme chinês, francês ou iraniano possa retratar um cotidiano tão pequeno e encerrar uma história como se fosse mais um dia na vida da pessoa. Como? Como alguém se dispõe a escrever algo cujo mais importante acontecimento na história é um gatinho que morre, ou a perda de um sapato, ou uma viagem sem pé nem cabeça com personagens itinerantes e irrelevantes? Não há nada de errado com isso, veja bem. Eu adoro esses filmes. Mas talvez eu goste mesmo deles por ser algo tão distante do que sou. Como mostrar a vida de alguém por um período de tempo onde quase nada acontece e encerrar essa pequena amostra de maneira quase aleatória? Como se escreve tal roteiro? Você escreve sobre sua própria vida banal, ou sobre a banalidade de alguém que queira retratar ou pelo menos basear em várias banalidades e criar uma nova atmosfera banal? É possível criar banalidade enquanto processo mental, como se cria uma trama, por exemplo? Ou o cinema da banalidade é um exercício puro e simples de observação e sensibilidade de edição da vida real?

Realmente o processo do velho funciona. Funciona até quando há uma repetição quase perfeita do ciclo anterior. Não imagino quanto tempo tenha perdido nesses ciclos, mas foi o suficiente. Agora não há mais volta. Já acionei a bomba e tudo que me resta é rir da ironia. Talvez haja tempo para tentar redefinir a questão da ironia do épico hollywoodiano em contraste com o que sou e com o que estou fazendo agora, ao destruir algo tão importante para uma cultura que, de certa forma, modelou minhas ações, ainda que culpá-la por isso seja u... bum.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

uma flecha

o que é senão uma flecha?
que rompe, que queima,
que rasga a barriga,
abala os sentidos...
Que desorienta.
Que fere e é terna.

Eternamente flecha.
Fere e é tua.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Água

Ele não podia correr. Por dois motivos: a sola do seu tênis ameaçava cair. O pé esquerdo. E suas pernas estavam exaustas. Quase em coma. Os que vinham se assustavam com sua expressão. Os que reparavam. Muitos simplesmente caminham e pronto. A resignação não vinha. Os primeiros pingos, sim. Molhavam seu rosto. Um afago molhado e indesejado. Como o carinho que a puta não pediu.
Teve que parar. O sinal fechara e os carros jogavam água nele. Chá de cidade. Frio. Luz verde, novamente. Voltou a andar. Ele não podia correr.
Mais uns passos e estaria em casa. Era tudo simples. Mas ele sentia cada passo. Cada poça. Sua meia apitava na sola velha. Queria chegar. Depois, logo se veria.
Algumas pombas tremulas se escondiam na marquise. Elas se agrupavam. Por necessidade. Não pareciam "envolvidas" nem nada disso. Talvez um casal, mais afastado do grupo. Estavam livres da passarada. Presos um ao outro. Os pescoços retraídos entre as penas. Quando sol, todos voariam. Eles, juntos. Mais lentos.
Ele passou a banca de jornal. Mais três prédios e o 101. A calçada brilhava. Parecia mais limpa que de manhã.
A rampa de cimento da garagem. As plantas da portaria. Olhou pra cima, piscando entre as gostas. As luzes estavam apagadas. Sala, quarto, tudo. Talvez mais uma volta no quarteirão...

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Da parede do Pub de um tempo atrás

Some of my regrets:
Not kissing that lady at my best.
Not giving her the flower, or my chest.
Not showing my feelings, the fact
of being somehow a love marginal.

Not, not and not: I regret it all.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Porre (um quase-diálogo)

Um copo de espuma.
"Que merda mal tirada!"
Hiato.
Mais um... e uns.
"Por favor! O que é isso, meu amigo?"
Outros.
Negligenciado subiu na mesa.
"Ô seu filho da puta!! Tá achando que eu sou quem, cacete?!"
Um gato passa na rua.
Assustou.
Maldito cachorro depois foi lamber-lhe a cara salgada de sangue.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Anestesia

Seus pés e mãos estavam desgraçadamente frios. Isso lhe dava raiva, muita raiva. Pensava naquele frio maldito como em um delinqüente operando a maior das vilanias: tolhia-lhe sublime das graças, seu calor, alegria e sua própria vida. Precisava dele, mas respirava com dificuldade ar que congela garganta, que congela afeição. Não conseguia gostar de ninguém no inverno. Falta música no inverno. Caminhava pelas ruas sem mirar pessoa. Puro ódio. Mataria sob aquele clima. E era o que mais queria... Mas, não. Os lábios roxos, as mãos em pedra e não sentia muito mais. Seu corpo dormia. Então, aproveitando-se da situação, sacou do bolso uma pequena faca, dessas de cortar laranja. Não pensou em laranjas, só podia detestar estar ali. O dedo mindinho foi o primeiro, quase não houve sangue, o frio era maior. Em seguida, o anular e uma lágrima. Minutos e a mão direita era só palma. Vermelha, vermelhíssima. "Quanto sangue agora!" Desmaiou sobre o concreto e acordou com samba, sorriu meia boca e de novo desmaiou. Chuva sobre o desvalido, que por reflexo virou de bruços. Um azar... Morreria mais tarde, mas antes sonhou com neve e que lhe beijavam a mão direita.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Dia da reflexão do cineasta acerca do sexo

Alberto Salvá:
(http://www.imdb.com/name/nm0759505/)

"Não sou um cineasta de idéias profundas. Mas há muitas coisas superficiais do ser humano que ninguém percebe, mas que mexem com você, como o sexo. Ninguém sai de uma relação sexual impunemente, todos nós saímos transformados dela, de alguma forma."


sexta-feira, 6 de julho de 2007

Simplesnamente

Nada mais complexo que o simples.
Nada mais belo que o simples.
Nada mais profundo que o simples.
Nada mais completo que o simples.
Nada mais certo que o simples.
Nada mais apaziguador que o simples.
Nada mais voraz que o simples.
Nada mais vivo que o simples.
Nada mais norueguês que o simples.
Nada mais sincero que o simples.

Nada mais que o simples.
Nem Tudo.
Nada mesmo.

Muitos simples para todos.
São os votos de Fabio CB e Antônio RN da Serra.

Patrocínio Olcadil.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Terminal

E se o amor for um sentimento finito?
E se já tiver sido totalmente gasto com a última?
E se ele nunca voltar?
E se me esvair por completo deste sentimento?
E se...?


***

Descanso, descaso,
Uma pizza ou um trago,
whisky e não vinho,
seu beijo safado,
seu sexo...

***

Nosso arrependimento
de ontem regressará.
A sua vitória é seu altar.

Nossa fratura
não se regenerará.
Minha derrota é também seu altar.

Nossa dor, nosso pranto,
hão de se transformar
em outra coisa, outro lugar.
Não será santo,
mas cru, triste... poeirento.
Profano.
Um lugar de tormento,
um canto escuro, vazio.
Uma noite sem dia,
uma morte de véspera:
O nosso desespero.

E minhas promessas
continuarão vãs.
As suas mentiras,
os seus amantes
só se alterarão.

E apesar de tudo,
nossa carência, famigerada carência,
unidos nos manterá
como as bestas que somos siamesas,
alimentando-nos um da carne e do sangue do outro...
Maldito outro.
Maldito par.

Até que a morte nos separe.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Versinho de um insone

Essa noite eu dormi sozinho na cama de casal.
Essa noite eu dormi sozinho.
Essa noite eu não dormi sozinho:
Na nossa cama, sozinho não durmo nem mal.

terça-feira, 12 de junho de 2007

jactância

"Pretensioso!". Esse foi o adjetivo lançado, quando eu mal havia embarcado. Todos ainda estavam no convés, à procura dos conhecidos. Quem me qualificou não apareceu pra assumir o ato. Apenas cuspiu pra cima. Só soube que era pra mim porque veio acompanhado do meu nome. E meu nome não é nada comum. Pai Wesley, mãe Nilse, e muita falta de criatividade. Era pra mim, definitivamente!

A multidão era grande, no cais. Todos embolados; e aquele sol de fim de tarde que cega em vermelho. Não conseguia, de cima do navio, identificar quem me chamava... me chamava de pretensioso. Podia ser meu andar, empinado. Minha coluna reclamava já havia três dias. Aquela postura era nada nobre, e sim débil. Medo de friccionar as vértebras cansadas. Ou quem sabe o chapéu panamá que disfarçava o emaranhado que meu cabelo se tornara, depois de dois dias sem banho.

Acenei para baixo, fingindo cumprimentar conhecidos na massa. Poderia assim ganhar tempo na minha busca. As torradas, é claro! O café estava cheio e eu tive de subir o tom de voz para que a atendente me ouvisse. Insisti no queijo brie ao invés do minas. Talvez tenha parecido arrogante, por ter franzido o cenho, mas a careta era conseqüência do calor. O ventilador estava imóvel, eu me lembro. Minha postura, o chapéu, a expressão, a voz alta e seca e por fim, o queijo. O minas é simpático; espontâneo. O brie, tem sotaque; biquinho.

O grito voltou a me atingir, agora ainda mais veemente. "Pretensioso!". Talvez eu devesse parar de encarar a massa. Eu os via de cima, olhando pra baixo. Eles, de baixo pra cima. Muitos sonhavam em estar embarcados enquanto eu parecia não me importar. Mirava a miséria como que cansado do luxo. Mas o fazia de longe; blasé.

As águas se agitaram e o cais começou a se mover. Joguei meu chapéu, como que me despindo de jóias. Migalha pros pombos! O dedo em riste surgiu em negrito por entre as cabeças. Seria um dedo médio? Fiz minha mão de viseira e segui o caminho da unha até seu dono. Ele voltou a gritar e seus pequenos lábios me disseram: "apreende esse iodo!". Era o sujeito da bilheteria do porto. Havíamos tido uma curta conversa sobre o pretenso objetivo da minha viagem. Ele tinha alma de pescador, segundo ele próprio, e uma grande rixa com os garimpeiros da região. Se sentia filho do Solimões e via em mim uma grande chance de proteger seu pai. Seu grito era sincero e esperançoso. Minha viagem, nem tanto. Empresários estrangeiros, endinheirados, besuntados em repelente, à bordo de um barco cinco estrelas. Talvez uma bolsa pra mais dois anos de pesquisa leve. Ou quem sabe uma viagem pra Europa, tudo pago, em troca de umas poucas fotos de índios mal vestidos e minha palestra ensaiada para comover uma platéia de coroas barbudos, sedentos pelo exótico que os tiraria, por instantes, de suas vidas vazias e óbvias.

O bilheteiro já não passava de um pontinho preto, à caminho do horizonte. A água barrenta encontrara a negra mas ainda hesitava em se misturar. As cigarras morriam, as centenas, pelas redondezas. Eu, decidi entrar. Precisava encontrar um novo chapéu panamá.

sábado, 2 de junho de 2007

Lamento de Isonor - 2

"Graças a Deus ninguém me vê", pensava isso todo dia. Era meu único agradecimento aos 3, ser poupado de que outros vissem minha humilhação. Porque não é algo bonito ser humilhado. Não interessa a intenção que os motiva. O que interessa são os fatos. E os fatos carecem da dignidade que esse nordestino merece, da história que me fez quem sou. Sou filho da terra castigada, arranhado pela areia seca. Branco de nascença e marrom por ofício. Não me envergonho, sempre fiz valer o esforço de quem me colocou no mundo. Quebrado, esmigalhado e derretido... volto quantas vezes for preciso pra cumprir minha tarefa. Nunca me importei. Sou Isonor e meu destino é sofrer.

Mas a humilhação, Pai... Será que mereço até isso? Essa penúria sem fim... Vendo o que se sucede com o nome que carrego com orgulho, o único bem que me resta, que sempre tive por maior apreço e cuidado em preservar sobre meu corpo imundo e maltratado. O Senhor sabe de tudo isso. Me fez cabra-macho por motivo maior, motivo de ser homem e assumir meu sacrifício sem choro. Por que então não me dá essa força que me falta? Por que me fazer passar por mais essa provação que não posso vencer?

E estou vencido, Pai. Hoje sou homem derrotado. Pois sei que minha humilhação vai se espalhar. Vai correr a terra que nunca deixei em meu coração, mas, por motivos que me fogem, não habito mais de corpo. Já não respondo por meu nome, mas ele é meu e é tudo que me sobrou. Não o abandonaria mesmo que pudesse. Vou vê-lo passar por mais olhos que posso contar e sorver a humilhação que me espera. E se respondo por um nome que não é mais só meu, pelo menos a humilhação será carregada como prova única de quem sou.

Pois se ninguém mais acreditar na hombridade de Isonor, terei em minha humilhação a prova de que ela nunca me faltou. E se mesmo derrotado continuar meu ciclo de ressurreição, terei encontrado afinal a força que o Pai me reserva. A provação final e interminável desafiando os 4 ventos todos os dias a partir de hoje.

E assim será.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Homicídio Culposo (Constructive Manslaughter)

Se deu conta do erro tarde demais. Não que houvesse se arrependido, não era o caso. Apenas o por quê havia se perdido. Ao descobrir a verdade, contando o que aconteceu ao confidente de velha data que esperava fascinar, percebeu que tudo havia sido em vão. O que era para ser nunca houve. Foi um erro, uma conta errada praticamente, ainda que estivesse lidando com palavras e a interpretação delas. Fez o que tinha que fazer com a informação que tinha na hora, e nem pensou muito antes de colocar em prática o que planejou. Usou o que tinha à sua disposição. Tinha dentro de si a vontade de fazer afinal, realizar algo para ele e seu confidente. Desejava mostrar-se a par dele, um igual. Isso era algo que lhe afligia. Achou que agora tivesse conseguido isso, mas fracassou e isso ficou claro no silêncio sem graça que acompanhou a explicação de sua falha retumbante. E a conversa que seguiu o silêncio, quando seu confidente tentou convencê-lo de que de certa forma havia no mínimo uma ironia nisso tudo e que a simples tentantiva já era um feito marcante, só fez diminuí-lo frente a ele. Sua posição era ainda mais inferior, ou assim a sentia. Ainda assim, estranhamente, não se arrependeu. E mesmo que tentasse, não conseguiria.

A ironia? A piada estava morta, ainda que sem querer.

Homicídio Doloso (Constructive Manslaughter)

Ao sair da obra naquela noite, olhou para trás e pensou como tudo poderia ter sido diferente se não tivesse brigado com seu pai por causa da cabra que se perdeu lá na fazendinha da família em sua cidade Natal. Brigar com o pai foi bobagem, a culpa era dele, e por mais que ele tentasse se convencer de que não havia feito nada errado e a cerca fosse velha e o pai bebesse demais todo dia, ele sabia que tinha sido o último a entrar no curralzinho naquele fim de tarde, para catar cogumelos. Negava até a alma que catasse cogumelos toda tarde, mas o fazia. Chegou a negar a si próprio e o efeito dos cogumelos o ajudava a recriar sua memória, mas não sua consciência. Algo de sua realidade reinventada sempre quebrava em sua mente no meio de qualquer dúvida ou embate e ele era obrigado a remendá-la com negação e ignorância. E talvez essa combinação de fatores o tenha levado à situação em que está agora. Mas é mais provável que não. Ele matou seu irmão por dinheiro, e só. O fato dele desejar sua cunhada pode ter facilitado sua tomada de decisão. O fato dele a ter estuprado e matado antes de ir para a obra hoje pode ter acelerado o processo. O fato do filho do dono da empreiteira encontrar alguma graça em colocar o corpo de seu irmão, ainda que não precisasse ser seu irmão, isso foi escolha dele, em pequenos pedaços no cimento da obra e pagar para isso foi o motivo único. Não a piada em si, que não importava, mas dinheiro para erguer sua casa. E que ele tenha recebido um extra pela gargalhada que causou ao filho do dono ao contar sobre a construção de sua casinha não lhe fazia diferença.

(Satisfazendo o tradutor piadista dentro de mim antes do deadline real. Sempre o filho do dono, nunca o dono...)

sábado, 26 de maio de 2007

Falange

Pareciam ilhas. Eram cascas pretas. Ele tinha essas feridas nas mãos. Sua tensão aflorava em suas sobrancelhas. Nada de tiques, tremores faciais, mas algo contido, pronto para explodir por sobre seus olhos. Ele segurava a arma de maneira displiscente. Como se não acreditasse na funcionalidade daquilo. Parecia mais uma bengala.
Desde que entrara, só havia dito umas poucas palavras. "Todos quietos!", "só quero o dinheiro e pronto!". A bancária entregava as notas, com mãos trêmulas. Ele olhava-a de cima, com superioridade. Ela não passava de uma figurante sem fala no filme em que ele era roterista, diretor e ator principal.
Uma criança chorava baixinho, de fundo. Não parecia um choro sincero. Era manha. Mais tarde, naquele mesmo dia, ela ainda seria paparicada com pizzas e chocolates, entre lamentos chorosos de seus avós. "Pobre criança, tão nova e tudo isso...". Ela responderia com frases mal-criadas e mais sensação de poder.
As cascas pareciam nascidas em diferentes épocas. Umas mais tesas e desbotadas, outras em relevo, como vegetação. Uma praga que expõe sentimentos profundos. Mãos de quem cai e insiste em se levantar. Mãos de quem esbarra. Mãos de bêbado.
Sua mochila estava cheia de notas. Pedaços de papel que pesavam suas costas. Agora era ir embora. Sair. Mas não. Por um momento, um branco. Como sair? Me despeço? Me viro e pronto? Levantou a mão esquerda, por ter a direita presa à arma, e lançou um "até logo...". Ninguém respondeu, ele corou e saiu desconcertado. Nunca mais naquele banco! Tinha vergonha de reencontrar algum dos presentes. Ele poderia não mais lhe respeitar...

terça-feira, 8 de maio de 2007

Cordel para Frei Galvão (ou Lá vem o Papa, Papa aqui, Papa acolá...)

E o santo brazuca
das pílulas de papel?
Com um pouco de fé,
ficas bom até da cuca.

Seguindo a cartilha:
engolindo com jeito
mais a reza perfeita,
tal qual redondilha.

É milagreiro dos bons,
faz as curas aos lotes,
Tens um câncer de pulmão?
São só seis papelotes.

Para dor de cabeça
e até pra alergia
não lhe desobedeça:
falta a ave-maria!

Mas e se eu sofrer
com uma indigestão?
Vou rezar para quem,
se foi o São Frei Galvão?

Já sei onde faço:
no mato, na noite,
sem olhos de açoite,
num pouco de espaço,
prostrado igual rã...
Depois eu disfarço,
retomo o compasso.
Afinal... Sou taliban!

terça-feira, 24 de abril de 2007

Cricetinae.

Cedo, ví o sol.
Não parecia muito contente.
Logo, almocei.
Uma salada mixuruca...
Rápido, bocejei;
com hálito de café.
Refeito, encerrei;
os afazeres repetidos.
Noite, escrevi,
rascunhos deformados.
Cedo, ví a tarde...

domingo, 22 de abril de 2007

Muro de Berlim

Berliner Mauer, 1986
O muro é o muro é o mundo
surdo
.



sábado, 21 de abril de 2007

Diálogo 03 (Deus e Adão)

- Adão, meu filho!
- Pai?
- Sentes-te só neste mundo que te fiz?
- Sim, um pouco.
- Pois cuidarei disto...
E Deus fez a mulher.
- Adão!
- Sim, meu bom pai...
- Perdestes uma costela, mas agora tens quem te faça boa companhia. O que achas?
- Me parece uma ótima troca, Senhor, apesar das dores que sinto no peito pela perda da costela.
- Não é pela extração de tua costela que sentes essas dores, Adão. No lugar, criei-te um músculo chamado coração que às vezes incomoda.

E até hoje Adão não sabe se gosta ou não deste novo órgão.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Partículas brilhantes.

Ela girava. Seu corpo suado; brilhante. A pele tinha uma cor efêmera. Talvez nunca mais aquela dosagem exata de sol. O espaço que criara à sua volta dava um ar ainda mais precioso à dançarina. Todos queriam se aproximar mas ousavam só até a fronteira de sua aura espaçosa e vibrante. Parecia um campo de força. A redoma invisível de vidro que protege a coroa brilhante da rainha que já morreu.
E ela girava. Com graça e vigor. Com sutileza e até uma certa agressividade. Um excesso de vida. Descontrole contagiante.

Ele, a contemplava de longe; hipnotizado. Mas sua sede de mais ver; mais sentir, foi levando seu corpo. Magnetizado. Ele via a morena noutra velocidade. Era como se à cada giro, sua existência ganhasse uma forte aceleração para, logo em seguida, reduzir seus movimentos à metade da velocidade presente no resto da sala. Um slow motion de cores fortes e contornos suaves.

Os cabelos pretos descortinaram seus olhos castanhos e seu corpo se conteve no olhar do rapaz que, por um mistério das relações humanas, recebeu com placidez a repentina e surpreendente troca de atenções. Ela respirava forte; seu suor em gotas pelo colo. Ele com vontade de bebê-la. "Seu nome?", ele exigiu. Os lábios brilhantes construíram um som bonito; oferecido, mas incompreensível. "Hein!?". A música voltou ensurdecedora. Ela retomou os giros e pessoas desritmadas se puseram entre os dois.

Ele tropeçou em pés desafinados até conseguir sair da pista de dança. Um bêbado se aproximou, profético, apoiando pesado em seu ombro: "Não se mata pato com dois tiros. O primeiro tem que ser certeiro, senão ele voa. E nós, infelizmente, não sabemos voar...".

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Diálogo 02 (com Laurinha, de novo)

Fim de tarde, em um café:
- Então é isso, Laurinha... eu só queria um telefonema...
- É... Ela podia ligar...
- Mas, nem isso.
- Será que você ainda gosta dela?
- Acho que não.
- Então pra quê?
- Pra quê o quê?
- Pra quê você quer manter contato se você diz que não tá mais apaixonado?
- Sei lá... Respeito, carinho...
- Amor?
- Não. Amizade.
- Sei...
- Te juro.
- Você é estranho, sabia?
- Agora o que é, Laurinha?
- Sei lá. Às vezes parece que você quer tudo... cada coisa impossível...
Olha sério para ela, aproxima-se do seu ouvido e diz como um segredo:
- Laurinha... Eu posso voar.

sábado, 7 de abril de 2007

(sem título no sábado de aleluia)

Dias santos, festas santas, esses feriados, a própria santidade...
Em natureza, os santos são solitários, por isso livres, por isso santos. Mas são tolhidos de toda esta liberdade quando se vão. Será que assim tenham escolhido? Ou será que não?

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Um pôr-do-sol e um não-beijo.

O vento frio recomendava um abraço, que não veio. A ocasião era a mais apropriadamente romântica: um cruzeiro nas ilhas, enquanto o sol se cobria de Egeu. Ele queria, ela podia, ele não. Tinha mulher e filho pequeno no mesmo navio e uma consciência devastada pela culpa do fracasso do casamento anterior. Mas era linda a mediterrânea, cheia de gestos que o distraíam de tudo, ou quase. E naquele momento, pareciam suficientes. Sabia que não seria somente um beijo e não se apressou. Uma mulher que mostrava saídas. Conhecia-a há dois parcos dias e já se acreditava apaixonado. No momento seguinte, julgava-se louco e recobrava a razão. O ar gelado deixava suas bochechas morenas quase rosadas, adoçando ainda mais aquele sorriso teimoso. Nada poderia pará-lo agora; a mulher mais charmosa no ambiente ideal: um conto de fadas imerecido, pensou. Sorriu mais candidamente, imaginou um passo à frente e voltou. A moça, coitada, não entendeu, mas o sol já tinha se posto.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Lamento de Isonor 1.

Eu,
pobre criatura,
trazida à vida em branco,
alcunhado de Isonor,
sofro agora o abandono desumano
dos que me criaram.
Antes não tivessem me viciado em juntar letras,
sempre tão mal cuspidas por eles...

segunda-feira, 26 de março de 2007

Remendo.

São marcas.
Mesmo que pareçam não mais existir, são marcas.
Daquelas que se repara quando a luz bate de tal maneira.
Ou quando dói sem haver ferida.
São marcas.
Pedaços de sonhos desfeitos
ou pura vivência azeda;
traços pesados;
garranchos confusos.
Tudo o que deveria ter existido
quem sabe,
porquê?
Sabe-se apenas que algo cortou a carne.
Transformou em remendo o que um dia já foi uniforme.
São marcas...

quinta-feira, 22 de março de 2007

Um desencontro e o porquê

Era atraente, bonita até. Tinha se arrumado, cabelo bem preso, vestido amarelo: aquele... Escolhera bem, como sempre.
Era magro e algo charmoso. Um jeito descontraído, sabido e vivaz. Não sabia dançar, porém.

O Samba era bom: cerveja gelada, amigos em volta e já era uma e meia. Aí se olharam. Flertaram de leve. Acho que gostaram. Desacompanhados, queriam bem mais... Mas, não se mexeram; apenas se olhavam e olhavam... Tímidos ou tolos. O tempo passava... já não se moviam, nem mais um suspiro, alguma tensão...

Então se mexeu, meio sem jeito, de uma maneira... Mas se mexeu. Sorriu convidando, como que se atrevendo. Não teve resposta, sorriso minguando, a desaparecer. O beijo perdido, por ambos querido, irrealizável, minutos demais.

E eram feitos um para o outro, eu sei.

sábado, 17 de março de 2007

Diálogo 01 (com Laurinha)

Pelo telefone:
- Laurinha, tô fodido...
- O que é que houve??
- Não dá pra explicar direito, mas acho que pode ser grave.
- Você tá doente?
- Isso sempre. Mas desta vez é diferente...
- Conta logo o que você tem, homem!
- Uma dor de amor...
- Ih, já vi logo, tá apaixonado.
- Pior... É justo o contrário.
- Não entendo...
Cai a ligação.
- Um vazio, Laurinha... Um vazio...

segunda-feira, 12 de março de 2007

Brindéias 1 - Festa Lado C

Algo um tanto óbvio. Uma pista onde só tocam músicas menos conhecidas de bandas conhecidas. Chega de "Here Comes Your Man", "Rêi Djou", "Alive", "Daft Punk is Playing at my House" e "Ask". Essas bandas maravilhosas fazem discos maravilhosos e somos forçados a ouvir a mesma música de trabalho over and over again? E nem é tiração de onda pra catar aquela música que ninguém nunca ouviu de uma demo de 1937. É só pra acabar com a frustração das pessoas que gostam de música e acham que diversão em festa vai além de cerveja barata e mulher fácil, boa música é essencial - daquelas que a gente ouve dançando em casa.
Segue uma lista de 5 músicas da festa do Dj CB usando, por acaso, as bandas acima.

1- Letter to Memphis
2- Coincidências e Paixões
3- Rear View Mirror
4- Tribulations
5- Half a Person

Sugestões são bem-vindas e o Dj CB recebe em cerveja cara e/ou mulher difícil.

quarta-feira, 7 de março de 2007

Uma notícia, um cataclismo.

Do platônico amor perdido, a inocência disfarçando-se em álcool. Ou o contrário. Então a notícia. Garganta amarrada. Outra direção, por favor. Respira fundo. Se ainda pudesse... Não mais. No more. No más. Impossível flores. It's winter time. Que seja amigo. Dos bons. Serão.

quinta-feira, 1 de março de 2007

Só...

Chope, cachaça e mais chope depois.
Vem de fora tudo o que doía em falta.
Cedo, via-se o embaçado do tráfego,
com motores variáveis.
Logo, seria dia novamente, porém...
só porém, e mais nada.
Assim, seco, direto, sem sentido.
Olhar apagado de quem nem sequer sabe se podia um dia quem sabe ter sido.
Esperar novamente o embalo do sono melado de nada.
e só...

Ao aniversário (um rascunho poético)

Profusão.
Beijos do vento,
uma morte violenta,
sexo, sexo, sexo,
a praia que abraça,
por entre as árvores, estrelas,
favela.

A dor do outro,
a nossa,
alegria também, caótica,
saliva (doce) e escarro,
música de morro,
mais um pouco de sexo, porque ninguém é de ferro...
Uns disparos (outros, no caso),
um meio sorriso,
esculacho.
Tua ginga e teu abraço.
Teu luto de ontem,
o teu futuro...

E o Cristo Redentor.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Brindéias 0 - O Começo

Cansado de ter suas idéias genialóides roubadas pelo subconsciente coletivo, CB, que é muito mais você, resolve explanar logo o que pensa beneficiando diretamente a humanidade, infratora e antes desconexa, que iria posteriormente roubar da grande sopa o tempero que ele depurou. O pobre futuro sem-teto de posses espera que assim os aproveitadorezinhos baratos lhe dêem algum crédito e arquiva virtualmente a prova que um dia lhe renderá um processo de milhões de petrodólares sauditas. E frisa que os ladrões podem contar com ele para esclarecimentos e, quem sabe, parcerias no crime.

"De corpo infinito e mente aberta..." Quem miolou, entendeu.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

É chapa...

Eles eram muitos. Pelo menos dez. Tantos o quanto ainda se permite observar; de longe. Eram vivos e mostravam os dentes quando falavam. Reclamavam, basicamente. A platéia, pálida; sem vida, simplesmente olhava. O sol queimando seus olhos miúdos. Como um estouro, se espalharam por entre os carros. Bonecos de cera, tímidos, eram puro cenário por trás dos vidros. A onda revolta atingiu uma porta de alumínio, na calçada. Porta barata; podre. Um punhado deles entrou. Os que viam e apenas viam, se aproximaram uns dos outros, buscando falsa proteção. Boiada. Sofrimento coletivo é menos doloroso! Ação. Os dois ou três foram cuspidos pra fora do hotel de quinta. Mais dentes à mostra e gingas. Partículas vibrantes: volume; calor.

O cavalheiro do hotel de alumínio recebeu reforço do mecânico vizinho. Ele ganhou a rua, numa reta inconseqüente, armado de cabo de vassoura. Atingiu a barriga de um comprido, dobrando o inimigo e ganhando tempo pra se dar conta de onde estava. Arrependimento engolido, esperou, teso, quem quisesse o embate. Soco no peito, experimentou a lona quente da Rua das Laranjeiras. "Se pulou de cabeça, não tenta virar que é barrigada". Teimosia. De pé, mostrou que tinha o que faltava aos outros. O bolo vivo gargalhou, desconfiado, espalhou ameaças e se desintegrou aos poucos na maquete irregular. O guerreiro esperou, ofegante, o abraço da massa que, passado o terremoto, gritava palavras de ordem. Ele pegou o cabo de vassoura do chão como quem empunha a espada manchada de sangue e retornou, meio manco, para o interior da oficina. Não podia perder tempo: ainda faltava trocar o radiador do Toyota, e seu Ricardo era bravo...

Quem sabe...?

Hoje é dia de fazer nada.
Nada, nada, nada, nada.
Absolutamente nada.
Rien. Nothing. Coisa nenhuma.

Mas isso? Pode ser...

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Calorama

Nessa cidade de calor, abençoado, quanto menos roupa melhor. Porque menos é mais. E, às vezes, um pouco de água faz bem mais que bem. Bem demais talvez, não sei. Um pouco de praia também. Ou só resta esperar...

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

5:30 D.M.

5:30 da manhã é uma hora excepcional.
Ainda está bem escuro, o que já justifica o excepcional.
As poucas pessoas que andam pela rua se dividem em sobreviventes da noite anterior e recém-nascidos do novo dia. Mas é uma divisão sem rivalidade. Basicamente estão todos afundados na melancolia branda da manhã fetal. Indo ao trabalho, voltando pra casa, ou vice-versa, não importa. O silêncio melancólico traz segurança mesmo na escuridão e une as pessoas em uma espécie de comunidade efêmera e eclética, de olhares vagos, mas confiados. Há um indisfarçável lirismo no ar, ainda que os rostos arriados muitas vezes não o percebam. Se levantados, veriam em sua forma mais explícita o que se compreende por profundidade. Profundidade no sentido de intensidade prospectiva...(pausa de duas horas)... como se houvesse outro sentido, babaca. O lirismo acabou, são 8:40 e tá um sol escroto. Cansado pra caralho e vergonha desse textículo metido à besta de merda. Acabou o carnaval, recomeça a vida profissional e o namoro policial. E daí? Foda-se. Amanhã vai ter cinquemeia de novo pra todo mundo se achar poetinha vagal e olhar os fodidos trabalhadores e fodidos bebuns e fodidos os dois e caprichar na liricada. Chega. Só resta a copacaverna do Fausto Fawcett nos fundos do Cervantes pra tomar mais umas ampolas até às 11 e se perguntar o que diabos aconteceu nessa noite inútil. Ou nem isso... sonhar com zumbis mesmo.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Haicai desta quarta

O sol é cinza
Nova, a lua hoje
de mar precisa.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

De confetes, serpentinas, beijos de cerveja e abraços no mundo

É festa!!!
A maior.

- Meu amor?
- Oi.
- Tô indo atrás daquele bloco...
- Ahn??
- Não liga, não... Quarta-feira eu volto...

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

K.F.C.

As mãos enrugadas pareciam vindas de outras experiências. Coisas que não podemos classificar. Elas tremiam como que buscando espantar insetos que lá não estavam. Seu rosto curvado mirava o chão à procura de pegadas de outro tempo. Inerte, ele vivia aquele momento, com presença. Talvez até maior que a dos jovens que por lá passavam.
Pescou o objeto fazendo da mão uma bola dentro do bolso. Abrindo as garras logo se viu o brilho do vidro. Surgiu a pulseira e lá estava o relógio. Ele tinha o tamanho errado para aqueles olhos cansados. Qualquer outro relógio de qualquer outra pessoa naquela sala teria pelo menos o dobro do tamanho.
Observado pelos destroços de frango que jaziam à sua frente, ele pinçou o pequenino botão. Num giro seguro, coreografou os ponteiros numa perpendicular perfeita: 9:00. Quem sabe, um compromisso perdido; uma regra cumprida à exaustão; um adeus tocante; ou a simples lembrança da hora do lanche no colégio de padres. O relógio da parede colorida da lanchonete marcava 11 e pouco. Era hora de ir pra casa. A chuva poderia voltar ainda mais forte que antes.

domingo, 11 de fevereiro de 2007

A vida adulta é uma creche de malandros.