segunda-feira, 30 de julho de 2007

Anestesia

Seus pés e mãos estavam desgraçadamente frios. Isso lhe dava raiva, muita raiva. Pensava naquele frio maldito como em um delinqüente operando a maior das vilanias: tolhia-lhe sublime das graças, seu calor, alegria e sua própria vida. Precisava dele, mas respirava com dificuldade ar que congela garganta, que congela afeição. Não conseguia gostar de ninguém no inverno. Falta música no inverno. Caminhava pelas ruas sem mirar pessoa. Puro ódio. Mataria sob aquele clima. E era o que mais queria... Mas, não. Os lábios roxos, as mãos em pedra e não sentia muito mais. Seu corpo dormia. Então, aproveitando-se da situação, sacou do bolso uma pequena faca, dessas de cortar laranja. Não pensou em laranjas, só podia detestar estar ali. O dedo mindinho foi o primeiro, quase não houve sangue, o frio era maior. Em seguida, o anular e uma lágrima. Minutos e a mão direita era só palma. Vermelha, vermelhíssima. "Quanto sangue agora!" Desmaiou sobre o concreto e acordou com samba, sorriu meia boca e de novo desmaiou. Chuva sobre o desvalido, que por reflexo virou de bruços. Um azar... Morreria mais tarde, mas antes sonhou com neve e que lhe beijavam a mão direita.

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