segunda-feira, 28 de maio de 2007

Homicídio Culposo (Constructive Manslaughter)

Se deu conta do erro tarde demais. Não que houvesse se arrependido, não era o caso. Apenas o por quê havia se perdido. Ao descobrir a verdade, contando o que aconteceu ao confidente de velha data que esperava fascinar, percebeu que tudo havia sido em vão. O que era para ser nunca houve. Foi um erro, uma conta errada praticamente, ainda que estivesse lidando com palavras e a interpretação delas. Fez o que tinha que fazer com a informação que tinha na hora, e nem pensou muito antes de colocar em prática o que planejou. Usou o que tinha à sua disposição. Tinha dentro de si a vontade de fazer afinal, realizar algo para ele e seu confidente. Desejava mostrar-se a par dele, um igual. Isso era algo que lhe afligia. Achou que agora tivesse conseguido isso, mas fracassou e isso ficou claro no silêncio sem graça que acompanhou a explicação de sua falha retumbante. E a conversa que seguiu o silêncio, quando seu confidente tentou convencê-lo de que de certa forma havia no mínimo uma ironia nisso tudo e que a simples tentantiva já era um feito marcante, só fez diminuí-lo frente a ele. Sua posição era ainda mais inferior, ou assim a sentia. Ainda assim, estranhamente, não se arrependeu. E mesmo que tentasse, não conseguiria.

A ironia? A piada estava morta, ainda que sem querer.

Homicídio Doloso (Constructive Manslaughter)

Ao sair da obra naquela noite, olhou para trás e pensou como tudo poderia ter sido diferente se não tivesse brigado com seu pai por causa da cabra que se perdeu lá na fazendinha da família em sua cidade Natal. Brigar com o pai foi bobagem, a culpa era dele, e por mais que ele tentasse se convencer de que não havia feito nada errado e a cerca fosse velha e o pai bebesse demais todo dia, ele sabia que tinha sido o último a entrar no curralzinho naquele fim de tarde, para catar cogumelos. Negava até a alma que catasse cogumelos toda tarde, mas o fazia. Chegou a negar a si próprio e o efeito dos cogumelos o ajudava a recriar sua memória, mas não sua consciência. Algo de sua realidade reinventada sempre quebrava em sua mente no meio de qualquer dúvida ou embate e ele era obrigado a remendá-la com negação e ignorância. E talvez essa combinação de fatores o tenha levado à situação em que está agora. Mas é mais provável que não. Ele matou seu irmão por dinheiro, e só. O fato dele desejar sua cunhada pode ter facilitado sua tomada de decisão. O fato dele a ter estuprado e matado antes de ir para a obra hoje pode ter acelerado o processo. O fato do filho do dono da empreiteira encontrar alguma graça em colocar o corpo de seu irmão, ainda que não precisasse ser seu irmão, isso foi escolha dele, em pequenos pedaços no cimento da obra e pagar para isso foi o motivo único. Não a piada em si, que não importava, mas dinheiro para erguer sua casa. E que ele tenha recebido um extra pela gargalhada que causou ao filho do dono ao contar sobre a construção de sua casinha não lhe fazia diferença.

(Satisfazendo o tradutor piadista dentro de mim antes do deadline real. Sempre o filho do dono, nunca o dono...)

sábado, 26 de maio de 2007

Falange

Pareciam ilhas. Eram cascas pretas. Ele tinha essas feridas nas mãos. Sua tensão aflorava em suas sobrancelhas. Nada de tiques, tremores faciais, mas algo contido, pronto para explodir por sobre seus olhos. Ele segurava a arma de maneira displiscente. Como se não acreditasse na funcionalidade daquilo. Parecia mais uma bengala.
Desde que entrara, só havia dito umas poucas palavras. "Todos quietos!", "só quero o dinheiro e pronto!". A bancária entregava as notas, com mãos trêmulas. Ele olhava-a de cima, com superioridade. Ela não passava de uma figurante sem fala no filme em que ele era roterista, diretor e ator principal.
Uma criança chorava baixinho, de fundo. Não parecia um choro sincero. Era manha. Mais tarde, naquele mesmo dia, ela ainda seria paparicada com pizzas e chocolates, entre lamentos chorosos de seus avós. "Pobre criança, tão nova e tudo isso...". Ela responderia com frases mal-criadas e mais sensação de poder.
As cascas pareciam nascidas em diferentes épocas. Umas mais tesas e desbotadas, outras em relevo, como vegetação. Uma praga que expõe sentimentos profundos. Mãos de quem cai e insiste em se levantar. Mãos de quem esbarra. Mãos de bêbado.
Sua mochila estava cheia de notas. Pedaços de papel que pesavam suas costas. Agora era ir embora. Sair. Mas não. Por um momento, um branco. Como sair? Me despeço? Me viro e pronto? Levantou a mão esquerda, por ter a direita presa à arma, e lançou um "até logo...". Ninguém respondeu, ele corou e saiu desconcertado. Nunca mais naquele banco! Tinha vergonha de reencontrar algum dos presentes. Ele poderia não mais lhe respeitar...

terça-feira, 8 de maio de 2007

Cordel para Frei Galvão (ou Lá vem o Papa, Papa aqui, Papa acolá...)

E o santo brazuca
das pílulas de papel?
Com um pouco de fé,
ficas bom até da cuca.

Seguindo a cartilha:
engolindo com jeito
mais a reza perfeita,
tal qual redondilha.

É milagreiro dos bons,
faz as curas aos lotes,
Tens um câncer de pulmão?
São só seis papelotes.

Para dor de cabeça
e até pra alergia
não lhe desobedeça:
falta a ave-maria!

Mas e se eu sofrer
com uma indigestão?
Vou rezar para quem,
se foi o São Frei Galvão?

Já sei onde faço:
no mato, na noite,
sem olhos de açoite,
num pouco de espaço,
prostrado igual rã...
Depois eu disfarço,
retomo o compasso.
Afinal... Sou taliban!