terça-feira, 12 de junho de 2007

jactância

"Pretensioso!". Esse foi o adjetivo lançado, quando eu mal havia embarcado. Todos ainda estavam no convés, à procura dos conhecidos. Quem me qualificou não apareceu pra assumir o ato. Apenas cuspiu pra cima. Só soube que era pra mim porque veio acompanhado do meu nome. E meu nome não é nada comum. Pai Wesley, mãe Nilse, e muita falta de criatividade. Era pra mim, definitivamente!

A multidão era grande, no cais. Todos embolados; e aquele sol de fim de tarde que cega em vermelho. Não conseguia, de cima do navio, identificar quem me chamava... me chamava de pretensioso. Podia ser meu andar, empinado. Minha coluna reclamava já havia três dias. Aquela postura era nada nobre, e sim débil. Medo de friccionar as vértebras cansadas. Ou quem sabe o chapéu panamá que disfarçava o emaranhado que meu cabelo se tornara, depois de dois dias sem banho.

Acenei para baixo, fingindo cumprimentar conhecidos na massa. Poderia assim ganhar tempo na minha busca. As torradas, é claro! O café estava cheio e eu tive de subir o tom de voz para que a atendente me ouvisse. Insisti no queijo brie ao invés do minas. Talvez tenha parecido arrogante, por ter franzido o cenho, mas a careta era conseqüência do calor. O ventilador estava imóvel, eu me lembro. Minha postura, o chapéu, a expressão, a voz alta e seca e por fim, o queijo. O minas é simpático; espontâneo. O brie, tem sotaque; biquinho.

O grito voltou a me atingir, agora ainda mais veemente. "Pretensioso!". Talvez eu devesse parar de encarar a massa. Eu os via de cima, olhando pra baixo. Eles, de baixo pra cima. Muitos sonhavam em estar embarcados enquanto eu parecia não me importar. Mirava a miséria como que cansado do luxo. Mas o fazia de longe; blasé.

As águas se agitaram e o cais começou a se mover. Joguei meu chapéu, como que me despindo de jóias. Migalha pros pombos! O dedo em riste surgiu em negrito por entre as cabeças. Seria um dedo médio? Fiz minha mão de viseira e segui o caminho da unha até seu dono. Ele voltou a gritar e seus pequenos lábios me disseram: "apreende esse iodo!". Era o sujeito da bilheteria do porto. Havíamos tido uma curta conversa sobre o pretenso objetivo da minha viagem. Ele tinha alma de pescador, segundo ele próprio, e uma grande rixa com os garimpeiros da região. Se sentia filho do Solimões e via em mim uma grande chance de proteger seu pai. Seu grito era sincero e esperançoso. Minha viagem, nem tanto. Empresários estrangeiros, endinheirados, besuntados em repelente, à bordo de um barco cinco estrelas. Talvez uma bolsa pra mais dois anos de pesquisa leve. Ou quem sabe uma viagem pra Europa, tudo pago, em troca de umas poucas fotos de índios mal vestidos e minha palestra ensaiada para comover uma platéia de coroas barbudos, sedentos pelo exótico que os tiraria, por instantes, de suas vidas vazias e óbvias.

O bilheteiro já não passava de um pontinho preto, à caminho do horizonte. A água barrenta encontrara a negra mas ainda hesitava em se misturar. As cigarras morriam, as centenas, pelas redondezas. Eu, decidi entrar. Precisava encontrar um novo chapéu panamá.

2 comentários:

edson dos anjos disse...

Pérolas aos porcos, meu amigo... Apenas panamás aos pobres...

Anônimo disse...

Ainda bem que você teve um panamá para fazê-lo voltar. Cadê os outros? Como três cavalheiros nos abandonam sedentos de letras?
Não deixem que isonor adormeça por tanto tempo; já que resolveram mostrar a cara, mostrem também as línguas... Assim breve teremos uma ótima coletânea!
Go ahead! Allez! Adelante! Avanti!