quarta-feira, 29 de abril de 2009

Mompós

Cortar o cabelo e esperar. Deitar na calçada e esperar. Largar a bicicleta pra lá e esperar. Olhar as formigas trabalhando e esperar. Esperar, esperar... e perceber que não está a esperar. Ficar, estar, ser, talvez, mas não mais esperar. Olhar, admirar, perceber, observar, torrar, abstrair, sentir... As motos no lugar das bicicletas, os olhares desconfiados em vez do reconforto, calor incessante onde deveria estar a brisa suave, o barulho ao invés do silêncio... Mas paz. Paz afinal. Paz no desleixo, na insensatez, no isolamento, no descaso, na entrega, no nada... Tudo acontece, menos aqui. Aqui não há nada. Ao meu redor as formigas trabalham incessantes, as motos passam zunindo, o sol arde impiedoso... Em meu leito sujo, nada.
Em retrospectiva, percebo: eu era Mompox. A utopia de Mompox que inventei que deveria ser, ou que havia sido, e assim acreditado. A Mompox da jornada infindável, das moçoilas nas cadeiras de balanço depois da aula, do suquinho de 10 centavos da minha infância, do cumprimento afetivo da vizinha... essa mesma Mompox que se apresentava a mim, na minha cara, mas que só se realizava através da minha percepção deslocada e pretensiosa, posteriormente. Tudo naquele momento bastava. Não havia um gringo esquisito estatelado na calçada da rua paralela olhando pro nada a fumar. Havia a paz que Mompox tinha esquecido, ainda que estivesse na minha frente. Por trás das motos, do sol, dos olhares e do ruído. Na frente do caminho lúdico, das cadeiras oscilantes, do líquido nostálgico e do carinho.
Mompox é apenas aquele momento, onde eu era.
Até que, finalmente!, chegou a cerveja que eu estava a esperar. E lembrei que estava esperando. A primeira de muitas...

3 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

todo lo que fui es todo lo que soy
con lo que vine ayer es con lo que me voy

A.Sanz

Sabugosa disse...

Garrafinha verde pequena de cerveja gelada e pedaços de barba na camiseta suada.