segunda-feira, 2 de junho de 2008

Um

Me vi só naquele lugar. O grande espelho refletia minha imagem perdida no auditório vazio. Cabelos vermelhos e grossos e sardas largas, pelo rosto. Na época do colégio me chamavam de irlandês. Minha barriga estufava meu paletó cinza e minha perna direita vibrava involuntariamente. Não me sentia tenso, pelo contrário, me sentia anestesiado. Assim que a palestra acabou todos sumiram, compromissados. Sorrisos pensados, apertos de mãos e narinas dilatadas. Eu não tinha hora; compromissos. Me deixei ficar. Queria ter ido mas demorei a reagir. Parecia um incêndio no hotel. Eu teria morrido queimado.
Foram três dias de workshop. O dinheiro mais mal gasto da minha vida. Indicação de um amigo de infância que não via há anos. Reencontrei-o no metrô. Vagão cheio, me levantei pra senhora lotada de bolsas tomar meu assento. Já estavam me olhando mal; eu não tive escolha. Busquei uma vaga na baliza, pra pendurar meu corpo cansado. Gustavo pendia na minha frente, cabelos bem cortados. Evitei cruzar olhares. Preguiça de reencontros. Ele estendeu a mão, “Não se lembra de mim?”. “Sim, como vai?”. Nos sentamos no bar claro da rua escura. Ele não gostou do lugar mas parecia feliz em me rever.

- Tem visto o Pinduca?
- Não.
- Que pena...

Seu queixo era pontudo e o ato de elevar as sobrancelhas a cada surpresa me irritava um pouco.

- Há quanto tempo desempregado?
- Quase três anos.
- Não acredito!

Ele bebia rápido, ansioso. Grandes goladas. Meu copo na metade e o seu já vazio.

- Vale a pena o investimento!
- Acho muito caro.
- Quando eu digo investimento é porque você vai recuperar esse dinheiro rapidamente – Ele insistiu.

Nos despedimos com um abraço desajeitado, roubado por Gustavo. “Vamos marcar mais vezes, hein!”. “Claro...”. Sofri em passos tronxos, por sete quarteirões, até minha casa. O corte da sola do pé devia ter aberto novamente. Sentia minha meia empapar. A pisada no caco de vidro do copo fino.

Um comentário:

edson dos anjos disse...

E, como sempre, fica aquele gostinho acre de "quero mais".