quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Aditivada

O bar estava mais cheio que de costume. Cleber queria a sua mesa de sempre mas um casal já a ocupava. O homem, olhos vermelhos e muito suado, lambia o pescoço da mulher. Ela parecia não gostar, mas estava cansada demais pra reagir. Ele teria que esperar que o casal fosse embora, ou se contentar com a mesa dentro do bar, que comprometia a sua visão. A poucos metros dali, ela trabalhava. O posto estava movimentado e ela parecia descansada de ontem. Se mexia com vigor e suas bochechas davam sinal de um corpo saudável.
O baixinho trouxe a cerveja da marca que ele sempre tomava. Tirou o abridor do bolso da camisa azul e sacou a chapinha com um som oco. Cleber tentara em casa tirar aquele som da garrafa de cerveja. Foram doze tentativas frustradas. Ficou embriagado e passou a desenhar com cabeças de fósforos em brasa, figuras eróticas nas velas dos largos castiçais da mesa da sala.
O baixinho estava sério. Devia ser devido ao grande movimento do bar. Já se sabia que os dez por cento não iam para seu bolso então quanto mais vazio, melhor o bar seria, pra ele. Para o Cleber também, que teria uma melhor visão do posto de gasolina. Os dois as vezes trocavam algumas palavras e o garçom já não confundia seu nome, como na nona vez em que Cleber entrou no Bar Pituca e fora chamado de Jorge. Ele não corrigira o atendente. Não gostava de seu verdadeiro nome e se interessou pela idéia de ter duas identidades. Mas o baixinho, de alguma maneira, resgatou seu nome legítimo e o usava antes de cada frase dirigida à ele.
O casal pediu a conta. Cleber seguiu o baixinho até a mesa na calçada. Eles desembolsaram algumas notas amassadas e deixaram o bar. Cleber se acomodou. Um carro preto entrou no posto e parou na bomba dela. Seu short era curtíssimo e tinha a cor desgastada de tantas lavagens. Isso excitava Cleber que pensava que por tanto uso, aquela roupa já trazia o cheiro dela impregnado. Cheiro dos seus fluidos.
O motorista entregou as chaves e meteu a cabeça pra fora do carro, pra vê-la se curvar levemente em direção a entrada do tanque, com a mangueira de gasolina na mão. Os números giravam borrados no contados. Cléber engoliu uns amendoins que uma menina largou em cima de sua mesa, com displicência. O motorista saiu do carro e se aproximou da moça que agora secava as gotas de gasolina que escorriam na lataria do carro. Talvez tivesse tirado o bico um segundo antes da bomba se desligar, automaticamente. Ele sorriu com um lado da boca e disse alguma coisa. Cleber adivinhava suas palavras. “Vazou, querida?”. Ela esticou a mão. “trinta e cinco reais”. Ele colocou uma nota em sua mão. Seria R$50? Ela se virou, com desprezo e entregou a nota pra sua colega, que lavava o vidro de um fusca, na bomba vizinha. O motorista voltou pro carro, já sem o mesmo sorriso e arrancou com violência, criando um som agudo do pneu em falso no asfalto liso. Alguns freqüentadores do bar interromperam suas conversas inúteis pra balbuciar queixas vazias em direção do carro que já dobrava a esquina seguinte. Cleber se negou a comprar o saco de amendoins. A menina recolheu o resto da amostra que deixara em sua mesa e evitou cruzar o olhar com o dele. “Pão duro!”.