terça-feira, 26 de junho de 2007

Terminal

E se o amor for um sentimento finito?
E se já tiver sido totalmente gasto com a última?
E se ele nunca voltar?
E se me esvair por completo deste sentimento?
E se...?


***

Descanso, descaso,
Uma pizza ou um trago,
whisky e não vinho,
seu beijo safado,
seu sexo...

***

Nosso arrependimento
de ontem regressará.
A sua vitória é seu altar.

Nossa fratura
não se regenerará.
Minha derrota é também seu altar.

Nossa dor, nosso pranto,
hão de se transformar
em outra coisa, outro lugar.
Não será santo,
mas cru, triste... poeirento.
Profano.
Um lugar de tormento,
um canto escuro, vazio.
Uma noite sem dia,
uma morte de véspera:
O nosso desespero.

E minhas promessas
continuarão vãs.
As suas mentiras,
os seus amantes
só se alterarão.

E apesar de tudo,
nossa carência, famigerada carência,
unidos nos manterá
como as bestas que somos siamesas,
alimentando-nos um da carne e do sangue do outro...
Maldito outro.
Maldito par.

Até que a morte nos separe.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Versinho de um insone

Essa noite eu dormi sozinho na cama de casal.
Essa noite eu dormi sozinho.
Essa noite eu não dormi sozinho:
Na nossa cama, sozinho não durmo nem mal.

terça-feira, 12 de junho de 2007

jactância

"Pretensioso!". Esse foi o adjetivo lançado, quando eu mal havia embarcado. Todos ainda estavam no convés, à procura dos conhecidos. Quem me qualificou não apareceu pra assumir o ato. Apenas cuspiu pra cima. Só soube que era pra mim porque veio acompanhado do meu nome. E meu nome não é nada comum. Pai Wesley, mãe Nilse, e muita falta de criatividade. Era pra mim, definitivamente!

A multidão era grande, no cais. Todos embolados; e aquele sol de fim de tarde que cega em vermelho. Não conseguia, de cima do navio, identificar quem me chamava... me chamava de pretensioso. Podia ser meu andar, empinado. Minha coluna reclamava já havia três dias. Aquela postura era nada nobre, e sim débil. Medo de friccionar as vértebras cansadas. Ou quem sabe o chapéu panamá que disfarçava o emaranhado que meu cabelo se tornara, depois de dois dias sem banho.

Acenei para baixo, fingindo cumprimentar conhecidos na massa. Poderia assim ganhar tempo na minha busca. As torradas, é claro! O café estava cheio e eu tive de subir o tom de voz para que a atendente me ouvisse. Insisti no queijo brie ao invés do minas. Talvez tenha parecido arrogante, por ter franzido o cenho, mas a careta era conseqüência do calor. O ventilador estava imóvel, eu me lembro. Minha postura, o chapéu, a expressão, a voz alta e seca e por fim, o queijo. O minas é simpático; espontâneo. O brie, tem sotaque; biquinho.

O grito voltou a me atingir, agora ainda mais veemente. "Pretensioso!". Talvez eu devesse parar de encarar a massa. Eu os via de cima, olhando pra baixo. Eles, de baixo pra cima. Muitos sonhavam em estar embarcados enquanto eu parecia não me importar. Mirava a miséria como que cansado do luxo. Mas o fazia de longe; blasé.

As águas se agitaram e o cais começou a se mover. Joguei meu chapéu, como que me despindo de jóias. Migalha pros pombos! O dedo em riste surgiu em negrito por entre as cabeças. Seria um dedo médio? Fiz minha mão de viseira e segui o caminho da unha até seu dono. Ele voltou a gritar e seus pequenos lábios me disseram: "apreende esse iodo!". Era o sujeito da bilheteria do porto. Havíamos tido uma curta conversa sobre o pretenso objetivo da minha viagem. Ele tinha alma de pescador, segundo ele próprio, e uma grande rixa com os garimpeiros da região. Se sentia filho do Solimões e via em mim uma grande chance de proteger seu pai. Seu grito era sincero e esperançoso. Minha viagem, nem tanto. Empresários estrangeiros, endinheirados, besuntados em repelente, à bordo de um barco cinco estrelas. Talvez uma bolsa pra mais dois anos de pesquisa leve. Ou quem sabe uma viagem pra Europa, tudo pago, em troca de umas poucas fotos de índios mal vestidos e minha palestra ensaiada para comover uma platéia de coroas barbudos, sedentos pelo exótico que os tiraria, por instantes, de suas vidas vazias e óbvias.

O bilheteiro já não passava de um pontinho preto, à caminho do horizonte. A água barrenta encontrara a negra mas ainda hesitava em se misturar. As cigarras morriam, as centenas, pelas redondezas. Eu, decidi entrar. Precisava encontrar um novo chapéu panamá.

sábado, 2 de junho de 2007

Lamento de Isonor - 2

"Graças a Deus ninguém me vê", pensava isso todo dia. Era meu único agradecimento aos 3, ser poupado de que outros vissem minha humilhação. Porque não é algo bonito ser humilhado. Não interessa a intenção que os motiva. O que interessa são os fatos. E os fatos carecem da dignidade que esse nordestino merece, da história que me fez quem sou. Sou filho da terra castigada, arranhado pela areia seca. Branco de nascença e marrom por ofício. Não me envergonho, sempre fiz valer o esforço de quem me colocou no mundo. Quebrado, esmigalhado e derretido... volto quantas vezes for preciso pra cumprir minha tarefa. Nunca me importei. Sou Isonor e meu destino é sofrer.

Mas a humilhação, Pai... Será que mereço até isso? Essa penúria sem fim... Vendo o que se sucede com o nome que carrego com orgulho, o único bem que me resta, que sempre tive por maior apreço e cuidado em preservar sobre meu corpo imundo e maltratado. O Senhor sabe de tudo isso. Me fez cabra-macho por motivo maior, motivo de ser homem e assumir meu sacrifício sem choro. Por que então não me dá essa força que me falta? Por que me fazer passar por mais essa provação que não posso vencer?

E estou vencido, Pai. Hoje sou homem derrotado. Pois sei que minha humilhação vai se espalhar. Vai correr a terra que nunca deixei em meu coração, mas, por motivos que me fogem, não habito mais de corpo. Já não respondo por meu nome, mas ele é meu e é tudo que me sobrou. Não o abandonaria mesmo que pudesse. Vou vê-lo passar por mais olhos que posso contar e sorver a humilhação que me espera. E se respondo por um nome que não é mais só meu, pelo menos a humilhação será carregada como prova única de quem sou.

Pois se ninguém mais acreditar na hombridade de Isonor, terei em minha humilhação a prova de que ela nunca me faltou. E se mesmo derrotado continuar meu ciclo de ressurreição, terei encontrado afinal a força que o Pai me reserva. A provação final e interminável desafiando os 4 ventos todos os dias a partir de hoje.

E assim será.