terça-feira, 24 de abril de 2007

Cricetinae.

Cedo, ví o sol.
Não parecia muito contente.
Logo, almocei.
Uma salada mixuruca...
Rápido, bocejei;
com hálito de café.
Refeito, encerrei;
os afazeres repetidos.
Noite, escrevi,
rascunhos deformados.
Cedo, ví a tarde...

domingo, 22 de abril de 2007

Muro de Berlim

Berliner Mauer, 1986
O muro é o muro é o mundo
surdo
.



sábado, 21 de abril de 2007

Diálogo 03 (Deus e Adão)

- Adão, meu filho!
- Pai?
- Sentes-te só neste mundo que te fiz?
- Sim, um pouco.
- Pois cuidarei disto...
E Deus fez a mulher.
- Adão!
- Sim, meu bom pai...
- Perdestes uma costela, mas agora tens quem te faça boa companhia. O que achas?
- Me parece uma ótima troca, Senhor, apesar das dores que sinto no peito pela perda da costela.
- Não é pela extração de tua costela que sentes essas dores, Adão. No lugar, criei-te um músculo chamado coração que às vezes incomoda.

E até hoje Adão não sabe se gosta ou não deste novo órgão.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Partículas brilhantes.

Ela girava. Seu corpo suado; brilhante. A pele tinha uma cor efêmera. Talvez nunca mais aquela dosagem exata de sol. O espaço que criara à sua volta dava um ar ainda mais precioso à dançarina. Todos queriam se aproximar mas ousavam só até a fronteira de sua aura espaçosa e vibrante. Parecia um campo de força. A redoma invisível de vidro que protege a coroa brilhante da rainha que já morreu.
E ela girava. Com graça e vigor. Com sutileza e até uma certa agressividade. Um excesso de vida. Descontrole contagiante.

Ele, a contemplava de longe; hipnotizado. Mas sua sede de mais ver; mais sentir, foi levando seu corpo. Magnetizado. Ele via a morena noutra velocidade. Era como se à cada giro, sua existência ganhasse uma forte aceleração para, logo em seguida, reduzir seus movimentos à metade da velocidade presente no resto da sala. Um slow motion de cores fortes e contornos suaves.

Os cabelos pretos descortinaram seus olhos castanhos e seu corpo se conteve no olhar do rapaz que, por um mistério das relações humanas, recebeu com placidez a repentina e surpreendente troca de atenções. Ela respirava forte; seu suor em gotas pelo colo. Ele com vontade de bebê-la. "Seu nome?", ele exigiu. Os lábios brilhantes construíram um som bonito; oferecido, mas incompreensível. "Hein!?". A música voltou ensurdecedora. Ela retomou os giros e pessoas desritmadas se puseram entre os dois.

Ele tropeçou em pés desafinados até conseguir sair da pista de dança. Um bêbado se aproximou, profético, apoiando pesado em seu ombro: "Não se mata pato com dois tiros. O primeiro tem que ser certeiro, senão ele voa. E nós, infelizmente, não sabemos voar...".

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Diálogo 02 (com Laurinha, de novo)

Fim de tarde, em um café:
- Então é isso, Laurinha... eu só queria um telefonema...
- É... Ela podia ligar...
- Mas, nem isso.
- Será que você ainda gosta dela?
- Acho que não.
- Então pra quê?
- Pra quê o quê?
- Pra quê você quer manter contato se você diz que não tá mais apaixonado?
- Sei lá... Respeito, carinho...
- Amor?
- Não. Amizade.
- Sei...
- Te juro.
- Você é estranho, sabia?
- Agora o que é, Laurinha?
- Sei lá. Às vezes parece que você quer tudo... cada coisa impossível...
Olha sério para ela, aproxima-se do seu ouvido e diz como um segredo:
- Laurinha... Eu posso voar.

sábado, 7 de abril de 2007

(sem título no sábado de aleluia)

Dias santos, festas santas, esses feriados, a própria santidade...
Em natureza, os santos são solitários, por isso livres, por isso santos. Mas são tolhidos de toda esta liberdade quando se vão. Será que assim tenham escolhido? Ou será que não?

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Um pôr-do-sol e um não-beijo.

O vento frio recomendava um abraço, que não veio. A ocasião era a mais apropriadamente romântica: um cruzeiro nas ilhas, enquanto o sol se cobria de Egeu. Ele queria, ela podia, ele não. Tinha mulher e filho pequeno no mesmo navio e uma consciência devastada pela culpa do fracasso do casamento anterior. Mas era linda a mediterrânea, cheia de gestos que o distraíam de tudo, ou quase. E naquele momento, pareciam suficientes. Sabia que não seria somente um beijo e não se apressou. Uma mulher que mostrava saídas. Conhecia-a há dois parcos dias e já se acreditava apaixonado. No momento seguinte, julgava-se louco e recobrava a razão. O ar gelado deixava suas bochechas morenas quase rosadas, adoçando ainda mais aquele sorriso teimoso. Nada poderia pará-lo agora; a mulher mais charmosa no ambiente ideal: um conto de fadas imerecido, pensou. Sorriu mais candidamente, imaginou um passo à frente e voltou. A moça, coitada, não entendeu, mas o sol já tinha se posto.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Lamento de Isonor 1.

Eu,
pobre criatura,
trazida à vida em branco,
alcunhado de Isonor,
sofro agora o abandono desumano
dos que me criaram.
Antes não tivessem me viciado em juntar letras,
sempre tão mal cuspidas por eles...